eu tenho ficado um bocado de tempo sem aparecer por aqui, porque... não sei
dizer exatamente o porquê. em parte, é porque eu não tenho tido (quase) nada
de bom pra dizer, e não estava no humor de vir pra cá e despejar um monte de
sentimentos estranhos e, em sua grande maioria, preocupantes; em parte porque
eu queria falar com alguém, mas não queria receber nenhum comentário do
tipo “jesus te ama” ou “eu sei que você está se sentindo mal e como se nada nunca fosse melhorar,
mas as coisas vão melhorar!”. não que haja algo de errado com esses comentários — é só que eles sempre
aparecem em péssimo timing, justo no momento em que eu só preciso
desabafar sem ninguém dizendo que vai ficar tudo bem, e me deixam com ainda
mais raiva do que eu já estou. agora que eu paro pra pensar, na verdade, esse
segundo não é nem tão ruim, mas ainda me deixa com raiva, por motivos que eu
não sei explicar direito. acho que é o tom de condescendência de
bom, você está triste e isso faz parecer que é o fim do mundo, mas eu estou
aqui pra te lembrar que não é. só que eu sei disso. e alguém me dizer algo assim só me faz
sentir meio subestimada e burra.
(é nessa hora que eu tenho medo de falar isso e atingir pelo menos cinco
pessoas que definitivamente não queria atingir, mas que vão pensar o
inevitável será que é comigo? e talvez fiquem com medo de
comentar. mas acho que meu medo de me tornar alguém incapaz de falar o que eu
penso na internet por medo da reação alheia é maior, então eu falo)
nesse momento, eu estou com um monte de argila verde na cara, e acabei
passando a argila em volta da minha boca de uma forma muito específica e que
eu não sei explicar bem, mas que me deixa com um meio-que-biquinho forçado. é
engraçado, e foi isso que me fez vir aqui escrever — o fato de que eu queria
contar pra alguém, mas ninguém nos aplicativos de mensagem instantânea.
ninguém em redes sociais. ninguém aqui em casa.
eu queria muito falar com vocês, especificamente.
eu sempre me convenço de que é inútil tentar explicar o quão mágico é, pra
mim, ter encontrado as pessoas que eu encontrei aqui, nessa pequena bolha
blogueirística em que a gente é quase que vizinho; penso em como eu me envolvi
nos posts da masha e comecei a achar muita graça de como eu podia entrar cinco
vezes no blog dela no mesmo dia, e nas cinco vezes ela teria mudado alguma
coisa no layout; em como eu encontrei a vanessa e a letícia e foi como se eu
topasse com duas pessoas muito simpáticas na faculdade, que me fizeram pensar
instantaneamente que eu queria que fossem minhas amigas (acho que eu ligo
muito essa ideia de amizades quase-que-instantâneas à faculdade, porque é um
lugar com aquele propósito em comum: aprender, passar raiva, tentar descobrir
o que é que vamos fazer das nossas vidas). em como eu encontrei o blog da
nicole e enrolei pra ler, mas me apaixonei quase que de cara, assim que
comecei a ler o que ela escrevia (e aí escrevi uma carta na qual eu dizia
apaixonadamente que ficava muito feliz de ela também gostar do que eu
escrevia, e tentava explicar que estava apaixonada por ela, mas era uma paixão
assim meio de escritores que trocam cartas: uma coisa mais de amizade. e aí a
carta nunca chegou, e eu ainda tenho esperanças de que chegue, porque meu
coração é assim, mas provavelmente as palavras que eu escrevi e selei correndo
pra não mudar de ideia e não passar vergonha nunca vão ser lidas por ela). em
como eu leio o blog (e qualquer coisa, sério) da manie e é como se estivesse
lendo algo tirado de dentro da minha cabeça... acho que talvez seja esse o
ponto: coisas grandes e coisas pequenas, coisas que deixam tão claro o que eu
tenho em comum com todas essas pessoas. de alguma forma, os nossos sentimentos
se cruzam e dividem nuances, e eu não vou ser ingênua o suficiente pra dizer
que isso por si só já constrói uma amizade, mas é como se fossem sinais
perdidos de rádio captados depois de muito tempo, ou dedicatórias de livros
que a gente encontra em sebos, ou baleias se comunicando embaixo d'água: é
algo que me faz sentir, ao mesmo tempo, descobridora e descoberta. é como
saber que eu não estou sozinha.
na semana passada, em que eu chorei ou evitei chorar pela maioria dos dias
enquanto pensava que não tinha mais muita coisa que valia a pena na vida e que
não tinha mais nada que eu gostava em mim mesma, eu pensei muito em vir aqui;
responder comentários, comentar, estender a mão no escuro e ver se encontrava
algum outro braço perdido por aí. não vim, não falei as coisas que estava
pensando, continuei chorando ou quase-chorando sozinha. acho que, ao mesmo
tempo em que a gente se fecha num casulo, a gente quer muito que alguém
batuque na porta e mostre que entende, mas existe uma brecha muito estreita
pra se passar, e a margem de erro — falar algo que faça a gente se fechar mais
ainda, feito uma concha — é muito grande. a gente quer salvar, e ao mesmo
tempo ser salvo; a gente quer destruir, mas ao mesmo tempo quer conforto. fico
pensando se teria alguma coisa que alguém pudesse ter dito que diminuiria meu
sofrimento na semana passada, ou na antes dessa, ou em qualquer um desses
momentos. acho que nunca vou saber.
ultimamente, tenho cantado o alfabeto e músicas e qualquer coisa que me impeça
de pensar. as coisas estão melhores, mas precisei voltar às sessões semanais
de terapia pra dar conta de toda a raiva e o desespero que apareceram dentro
de mim. eu me sinto fugindo de um fantasma que está amarrado em mim com um
barbante: não importa o quanto eu corra, é inútil. e eu sei que é inútil. eu
corro mesmo assim, porque a perspectiva de ficar parada é muito mais
assustadora, e talvez seja isso que faz com que a vida continue. talvez seja
por isso que a sina do lobisomem é correr pra fugir do destino, toda lua
cheia. voltando ao barbante: eu sei que meus problemas não são resolvíveis,
por ora, e sim gerenciáveis, de uma forma difícil e confusa. eu preciso
aceitar que é impossível abraçar e salvar o mundo e não sentir todo o impacto
na minha própria pele, e preciso aceitar que não dá, também, pra esperar que o
mundo me proteja. mas é difícil, é tão difícil, e por mais que eu não precise
mais recitar letras que impeçam minha mente de buscar sentimentos que eu não
consigo suportar, ainda é como se minha linha de pensamento fosse um corredor
enorme, em que eu passo meio correndo por algumas portas abertas; existem
coisas desagradáveis sobre as quais eu preciso pensar, e existem outras para
as quais eu não estou preparada. ainda, pelo menos.
eu tenho pensado em quem eu queria ser em certo momento da minha vida, em
outras pessoas que existiam aqui e ali na internet e em quem eu e espelhava,
mas que não me sentia diferente o suficiente pra alcançar. pompons
no cabelo, óculos diferentes, roupas que contavam uma história que ia além da
praticidade da vestimenta; tudo parece muito distante e perdido no passado. eu
me pergunto se ainda quero ser aquela mesma pessoa. me pergunto se minha vida
seria diferente se eu não tivesse receio de me colocar pro mundo da mesma
forma que eu penso e escrevo: maluca, olhos esbugalhados, engraçada, sem
roteiro. sem planejamento nenhum. escorrida do nariz, e às vezes do coração.
em momentos como esse em que estou agora, eu me pergunto muitas coisas, e não
consigo nenhuma resposta.
queria ter algo bonito pra dizer, algo que me fizesse sentir genial e
merecedora de alguma coisa: cartas, amizade, amor, admiração. não tenho muita
coisa. às vezes me esqueço de tomar o remédio depois do almoço, e tenho lido
livros, mas não falado sobre eles com ninguém; estou assistindo um drama
chinês que me faz sentir um pouco menos sufocada, mas não ter ninguém pra
comentar me lembra, mais uma vez, do quanto eu estou sozinha. não tenho
vontade de conversar com muita gente e quero desesperadamente falar com alguém
que me entenda, que saiba o que eu estou passando porque passou pela mesma
coisa, mas é como se anos-luz me afastassem da pessoa pra quem eu posso pedir
algum alento, e eu não sei mais como cobrir essa distância. o mundo segue, as
pessoas envelhecem, vivem, se afastam. às vezes eu consigo lidar bem com isso.
às vezes é como se um pedaço enorme de mim tivesse sido arrancado e estivesse
atrás de um vidro à prova de balas, e eu posso vê-lo, posso entender como
está, mas é impossível alcançar. às vezes a gente não perde uma pessoa do
jeito literal, mas a maneira como ela se esvai da nossa vida é ainda mais
dolorosa. eu me pergunto se vou voltar a encontrar alguém que me entenda com
tanto conhecimento de causa; se vou, algum dia, conseguir desatar o nó que me
gruda ao fantasma de não conseguir lidar com meus próprios problemas. se eu
vou descobrir quem eu quero ser, se vou ser quem eu quero ser, e
se, um dia, eu não vou precisar fugir dos meus próprios pensamentos. são
coisas que eu não sei.
são coisas que, por bem ou por mal, eu prefiro não saber.
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p.s.: vou me dar a liberdade de excluir comentários que, como eu disse ali
em cima, me façam sentir subestimada e burra. até pensei em desativar os
comentários, mas se fosse pra falar sozinha, por que eu escreveria aqui,
onde eu sei que alguém vai ler? pois é. agora deixa eu ir lá, tirar essa argila da minha cara.